UMA BOA NOTÍCIA PARA AS CIDADES

 em Sem categoria

Retirou-se Caim da presença do SENHOR e habitou na terra de Node, ao oriente do Éden. E coabitou Caim com sua mulher; ela concebeu e deu à luz a Enoque. Caim edificou uma cidade e lhe chamou Enoque, o nome de seu filho.” (Gn 4.16-17)

O primeiro relato de uma cidade na Bíblia aparece nesse texto de Gênesis 4. Após ter matado seu irmão e ter sido punido por Deus, Caim parte para o oriente, tem filhos e constrói uma cidade. É o primeiro relato de um contexto urbano que encontramos nas Escrituras. Obviamente, não devemos imaginar que essa cidade de Caim fosse construída aos moldes das nossas cidades modernas. Apesar de termos quase nenhuma informação sobre essa cidade de Gênesis 4, a palavra utilizada no texto bíblico (בנה banah) traz a ideia de uma edificação, um estabelecimento fortalecido e nos diz algo sobre o propósito de Caim em criar uma cidade.

Em primeiro lugar, o fato dele ter criado uma cidade (uma edificação) se contrapõe ao mandato divino de “encher a terra” (Gn 1.28), dado a Adão e, por consequência, a todos os homens, incluindo Caim. Para eles, só seria possível “encher a terra” através de um modo de vida nômade, capaz de espalhar a sua descendência. Especialmente no início de Gênesis, a ideia de mobilidade das primeiras famílias se adequa bem ao propósito divino de povoar a terra. Observe o mesmo padrão ordenado a Noé e seus descendentes em Gn 9.7 e que há um contraste entre o modelo rejeitado dos homens de Babel que decidiram fixar-se na terra (Gn 11.4) e Abrão que é chamado a peregrinar (Gn 12.1). Não há nada de pecaminoso na cidade, mas, no caso de Caim, seu estabelecimento mostrou-se como uma afronta a ordem divina de espalhar-se e povoar a terra. Além disso, a maldição dada por Deus a Caim incluía a proposição de que ele seria “errante pela terra” (Gn 4.12), fato que Caim desdenha ao decidir fixar-se na terra de Node. Seu comportamento continua sendo arrogante e rebelde!

Além de um ato de rebeldia contra a ordem divina, o texto nos permite identificar as causas para a criação da cidade por parte de Caim. Note que Caim reconhece as consequências da maldição decorrente do seu pecado e admite que, a partir daquele momento, ele iria se esconder da presença de Deus e temer pela sua segurança: “Eis que hoje me lanças da face da terra, e da tua presença hei de esconder-me; serei fugitivo e errante pela terra; quem comigo se encontrar me matará” (Gn 4.14). Apesar da intervenção misericordiosa de Deus (Gn 4.15), Caim opta por construir uma edificação, uma cidade fortificada. Novamente, a palavra hebraica traz a ideia de uma edificação com muros ou algum tipo de delimitação, que serviria, também, de barreira física. Esse contraponto no texto bíblico indica sua intenção de se proteger dos que poderiam buscar vingança pelo seu caráter violento e, ao mesmo tempo, uma tentativa de “esconder-se de Deus”. Ele não habitaria mais em tendas ou em campo aberto, onde estaria, supostamente, mais vulnerável aos homens e a encontrar-se com Deus. A construção da cidade por Caim, portanto, é motivada por intenções pecaminosas e autocentradas, nada diferente do que vimos na sua relação com seu irmão Abel, em uma tentativa de proteção humana e afastamento da presença divina.

A intenção dessa observação no texto de Gênesis 4 não é “demonizar” as cidades, mas nos levar a refletir sobre como nossas cidades tem servido a propósitos parecidos com os de Caim. Nos contextos urbanos, em maior proporção do que podemos observar em contextos rurais, tem-se desenvolvido uma visão extremamente secularizada da vida, através de um abandono da religiosidade em prol de uma cosmovisão materialista racional. As pessoas estão abandonando a percepção religiosa da vida e tem, cada vez mais, buscado outras formas de compreender a vida e o mundo que os cerca. A agitação, a violência, o desenvolvimento tecnológico e a superaglomeração tem contribuído para essa busca materialista que despreza o sobrenatural e o divino. Tal como aconteceu com Caim, as cidades e a consequente cosmovisão secularizada têm sido “refúgios” para os que desejam “esconder-se de Deus” e desviar-se das suas ordens.

O que fazer diante dessa constatação? Creio que a Igreja continua sendo o instrumento de Deus para a transformação de vidas e culturas. Creio que ela continua sendo o instrumento de anunciação do evangelho de Cristo, a única notícia capaz de mudar mentes e corações, reverter estereótipos e moldar cosmovisões. Mas a Igreja precisa estar atenta ao seu tempo e contexto. Precisa “ler” seu mundo, entender as implicações de se viver em um contexto urbano e aplicar as verdades divinas às perguntas que se levantam nesse cenário. Uma desconexão com o contexto urbano em que estamos inseridos, com suas especificidades e características peculiares, pode nos levar a responder perguntas que ninguém está fazendo e, assim, diminuindo a eficácia da nossa pregação. Nosso papel é ir onde o perdido está, não apenas fisicamente, mas também intelectualmente e emocionalmente, colocando-nos ao lado dele para poder entregar exatamente o que ele precisa, a mensagem da cruz, aplicada de forma que impacte suas convicções e transforme sua vida.

Estima-se que em 2050, dois terços da população mundial estará vivendo em áreas urbanas. É nosso dever, urgente, nos posicionarmos como uma igreja relevante no contexto urbano e essa relevância só será percebida se apresentarmos uma boa notícia às cidades e seus moradores: o Evangelho de Cristo Jesus! Desempenhando o nosso papel de anunciação, sendo usados como elementos de transformação espiritual e fundamentados na dependência do Espírito Santo que age em nós, poderemos ver, gradativamente, nossa cidade ser menos parecida com a cidade de Caim e mais parecida com a Cidade Celestial.

Que o Senhor nos ajude!

Pr. Rodrigo Suhett de Souza

Postagens Recentes